quinta-feira, 8 de maio de 2008

Arrebatador

“…os métodos de construção — a fragmentação do tempo, do espaço, das referências sonoras e das acções e a sua subsequente sobreposição —, assim como a alternância de momentos intensos que representam experiências humanas e de situações descontextualizadas e caricaturas que criam momentos de humor, ou a genial concepção dramatúrgica, fazem de Masurca Fogo uma peça com a assinatura inconfundível de Pina Bausch. “

A pedido de S.C. vou tentar dissecar o arrebatamento que senti ontem. O que é que temos em Masurca Fogo? Temos samba, temos mornas e temos, obviamente, fado como símbolos deste “caldo” cultural e emocional riquíssimo que é Lisboa. Temos sensualidade: “A linha de pares que, na primeira parte, serpenteia no palco ao som de uma morna desenvolve-se, no final do espectáculo, em fortes abraços e desfaz-se com os corpos, dois a dois, deitados serenamente uns sobre os outros”. Avassalador. Temos solidão e nostalgia nas interpretações de Dominique Mercy ou Beatrice Libonati sobre fados de Alfredo Marceneiro e de Amália Rodrigues. Temos dança e temos teatro: há solos magníficos em que os bailarinos se precipitam da rocha que constitui o cenário, ou que dançam fundindo-se com imagens projectadas. Há também momentos onde a expressão do corpo vai buscar elementos ao teatro, como a voz, a representação, o gag. Temos humor: a cena em que o rapaz vê as suas partidas boicotadas por outro que o persegue, ou a cena em que várias pessoas nadam dentro de um plástico gigante, ou quando três comensais e um par de dançarinos ficam suspensos face a uma televisão. Temos alegria e partilha , por exemplo, quando os bailarinos constroem uma minúscula barraca e, no seu interior, dançam ao som de valsas brasileiras. Depois da dança, cada um dos performers tira uma peça da casa fazendo desaparecer a estrutura como se esta nunca lá estivesse estado. Temos a complicada relação homem-mulher: um homem e uma mulher, colocados frente a frente, empurram a cara um do outro com um safanão; um rapaz diz a uma rapariga que gosta dela, mas esta foge, depois a situação inverte-se, e quando finalmente revelam o desejo mútuo de se beijar, não são capazes de o fazer. Já na segunda parte, o encontro é de uma intensidade e harmonia enormes que nos são transmitidas pela própria dança.
Enfim temos a VIDA: arrebatadora.

2 comentários:

Sandra Coelho disse...

Pronto, agora estou mesmo a roer-me muito de não ter visto... Obrigada! Por uns momentos consegui visualizar ou imaginar claramente o que se passou nesse palco!

Teresa Projecto disse...

ai...foi tão lindo. fogo.
ando à procura do nome da música em que é construida a casa e sambam lá dentro. não encontro...